sexta-feira, 26 de junho de 2009

Pensamentos e ações num dia desses de aniversário longe da terra amada

Acordar pela madrugada, organizar as já menos de vinte e quatro horas para que o tempo pouco dum tal dia esperado - em trezentos e sessentas e todos os que ficam faltando para completar um ano -, possa não atrapalhar a espontaneidade dos acontecimentos. É assim o dia de um concluinte de graduação, aspirante a mestrado e coordenador de turno - ou prefeito de disciplina, como se dizia uma vez.

Acordar às quatro horas e lá se vai um monte de tempo da madruga, preparar o chimarrão, pôr-se a estudar e depois das obrigações matutinas, ligar para a mãe: programa de aniversariante, esse? Sim! E é o meu! Tem sido o meu! Durante muito tempo entendi como obrigação de minha mãe cuidar de mim, me gerar. Ao me afastar dela, para estudar muito distante aquém do além do não se sabe onde e o quê, mudei de compreensão e ligo sempre para minha mãezinha para agradecê-la pela paciência que teve comigo em seu útero, e mais: por ter sido fiel a mim, cuidando para que eu nascesse e me criasse. Minha mãe merece mais que isso, pois poderia ser eu mais um falecido das estatísticas nacionais de aborto, lá da década de oitenta.

Completei hoje cinco lustros natalícios, um quarto de século, como tenho dito para dar impressão de enorme quantidade de tempo. Não passo, e isso já é muito, de um piá não pançudo das terras celestiais do Norte aqui nas bandas esplendorosas do Sul. Um guri amazônida que nem sabe nadar direito, mas que reconhece a cada dia e ano que passa a gratidão do ser mulher de minha mãe; a mulher frágil, mas firme, que me gerou me criou e me amou. Isso é muito, mas minha resposta a esse amor está longe de significar um pouco de tudo que ela fez e continua fazendo por mim. Não esqueci de meu pai nessa conversa! Ele é o esteio de minha mãe, o espírito questionador que a faz pensar e repensar os rumos... O que não é pouco, e o tanto que é... É de se admirar!

José Heber de Souza Aguiar, canoas, 26/06/2009: Meu aniversário de 25 anos

A Celebração que exclui

Retornei há pouco de uma missa numa capela muito bem ornamentada, mesmo com uma estrutura bem precária. Tratava-se de celebração para fechamento de um tríduo, numa comunidade simples, mas com um ambiente agradável: fiéis, altar com flores, imagens de santos, uma cruz, um padre e a Comunhão, Santíssima Redentora, Corpo e Sangue de Cristo. Todos os cristãos que, na missa se encontravam, procuravam alimentar-se da comunhão fraterna, da partilha de vida, do sentimento de inclusão no mistério salvador de Deus. Todos buscavam ser ouvidos por Deus, e ouvidos se sentiam por meio da presença viva da comunidade, do calor cristão, da efervescência da fé nas partilhas de vida. Deus ouve quando os seres humanos, em comunhão, partilham suas situações de vida e suas esperanças.

Na missa de hoje, momento de sentimento de acolhida e inclusão, senti-me traído como o próprio Cristo deve ter se sentido. Um homem de aproximadamente cinquenta anos, mas já velho, cansado, desiludido com a vida e alcoolizado, entrou na Igreja pelo fim da Homilia. Em seus braços, mãos, dedos, pele, rosto, estavam estampados o sofrimento puro. Em sua vida de homem sofredor, morava a exploração, o desrespeito à vida.

Tal senhor, ao entrar, sentou-se e começou a prestar atenção nas brilhantes palavras do padre que em seu ardor missionário, no afã da conversão de seus fiéis falava muito e falava bonito. Não disse antes, mas o tema da celebração era a “Eucaristia como Símbolo de Transformação Social”, o que era perfeito para uma bela celebração, pois ao encontro das necessidades das pessoas que ali estavam e do homem que chegara depois. E o padre falava mal da corrupção, roubo, violência, morte. Todos concordavam e ouviam atentos. Mas tudo parecia tão distante deles. O senhor que chegara depois, disse:

- Mas, padre, isso é coisa do diabo. O senhor tem que falar coisa de Deus. Esses políticos são demônios.

O padre perguntou:

- O que o senhor disse?

E o homem respondeu:

- Eu sou diabólico!

Com essa afirmação, o padre pediu, então, de modo grosseiro para que o homem ficasse calado a fim de que ele pudesse dar prosseguimento à Santa Missa. O senhor insistiu, mas o padre, em atitude de desprezo, sufocou a fala do bêbado.

Chamaram-me atenção as palavras do “bêbado”, quando afirmara que os políticos são demônios. Por que ele teria feito tal afirmação? Para o bêbado eram demônios, sim. Sua situação de explorado e de marginalizado só podia ser culpa do demônio da politicagem que desvia dinheiro, que mata pessoas, que rouba, que corrompe, que mente, que ilude. Mas por que aquele pobre homem disse que era diabólico? Fiquei encucado. Então entendi que ele era diabólico porque assim era visto na missa: entrou sujo, estava bêbado, sentou junto às pessoas, e ainda falava besteiras. Só podia ser diabólico, pois estava incomodando quem ouvia as belíssimas palavras do padre.

Tendo-se calado o homem, a celebração continuou, e passamos à oração eucarística e à consagração. Depois das orações, todos nos colocamos em fila para recebermos o corpo e o sangue de Cristo. O homem ficou sentado em seu lugar por um tempo, depois se levantou e foi ao encontro do Cristo que o esperava de braços abertos. O homem dirigiu-se a Ele, calmamente, sem tocar em ninguém, pois as pessoas não se aproximavam dele, para não pegarem o demônio. Ao aproximar-se a Cristo o homem buscava ser acolhido, buscava sentir-se gente. Sabia que o Cristo que morreu por um projeto de libertação dos excluídos, pobres, marginalizados, não ia decepcioná-lo, não ia lhe recusar as dores e sua vida. O homem tinha certeza que o único que poderia compreender suas dores seria o Cristo que tão perto o esperava. No entanto, quando o bêbado pôs-se frente a frente com o padre, teve uma grande decepção. Uma pergunta lhe tirou o sonho, lhe tirou o sabor de dignidade que o Cristo lhe provocara:

- O senhor fez a primeira comunhão?

Num gesto de desolação, o pobre homem abaixou a cabeça e saiu da casa do Senhor, da casa onde cabem todos os filhos e filhas de Deus. O Bêbado, o maltrapilho, o demônio, o antiquado retirou-se da fila e da Igreja. As pessoas se sentiram aliviadas. Eu estava na fila, próximo ao homem. Com aquele gesto, retornei ao meu lugar. Que graça teria comungar, se Deus já estava naquele momento na humilhação do homem?

Passados alguns segundos, o homem retornou à casa de acolhida de Deus e foi ter com o padre. Insistiu. Mais uma vez recebeu um não. Desolado voltou para seu lugar e foi chorar a tristeza desse encontro frustrado. Fiquei observando. O homem tornou a se levantar e aproximou-se do altar do Senhor, do altar da vida, mas não teve jeito. Consolou-se.

Sentado em minha cadeira, imbuído de sentimento de desprezo, fiquei me questionando: Por que essa cena era possível, se Jesus havia morrido por um projeto de inclusão do pobre, da prostituta, do bêbado, dos leprosos, do sem-terra, dos estrangeiros? Como a Eucaristia, símbolo de inclusão de toda essa gente podia ser transformada em expressão de exclusão, ao ser negada àquele homem? Se o Jesus histórico estivesse ali, não iria expulsar o padre da Igreja? Não iria chamá-lo de Fariseu? Não perguntaria por que estava ele zelando pela lei do Sacramentalismo e deixando de lado a lei da vida por meio do amor ao próximo? A Eucaristia é o símbolo da inclusão do ser humano. Foi o próprio Cristo que em sua vida nos ensinou isso. Cristo é a própria inclusão, a quebra de normas, de regras, de leis que desfiguram o rosto humano em razão do que está escrito e do que tem de ser cumprido, ainda que não tenha fundamento na vida. Com Jesus, a lei perdeu espaço para a vida.

Em meu cantinho, ainda de cabeça baixa, esperei o término daquele encontro. O padre fez mais algumas belíssimas orações, encerrando com o envio, e que o Senhor nos acompanhasse. Levantei rapidamente e dirigi-me à porta. Olhei para a rua, na esperança de ver aquele homem. E lá se ia. Saiu rápido da casa de Cristo. Ia numa pisada de pé angustiada, mas sem ter a certeza de que o Senhor o acompanhava. Onde buscaria ele consolo agora, se de sua própria casa fora expulso? No próximo bar, talvez...

José Heber de Souza Aguiar, 23 de Setembro de 2005.
Comunidade Menino Jesus de Praga, Vila João de Barro, Niterói, Canoas-RS,