quinta-feira, 18 de março de 2010

Sobre o Valor da Vida

Nunca encontrei alguém que tivesse pedido para viver, antes de nascer, ou mesmo alguém que tivesse pedido para nascer e, depois, muito logicamente, viver. Decididamente: não solicitamos nascer! Não solicitamos viver! Mas já que nascemos e vivos estamos que ao menos nos tivessem ofertado essa danada vida em quatro nada suaves prestações: o nascer, a juventude, a meia idade e a velhice. Pensando bem, que a última prestação existisse por conveniência, ou, então, que ao menos pudéssemos calotear Deus para fugirmos da dureza dela.

A vida, essa apressadinha, ao aparecer metidamente na terra e, logo, já sem agüentar ser levada, quer ela mesma andar, depois falar, depois decidir, depois não mais decidir e nem mais exercitar sua sina de apressadinha, quando não mais dá as caras e, ponto final, dá no pé! Desgraça para o morto (alegria para uns malucos insatisfeitos com a riqueza de viver), mais desgraça para os amigos do morto, e mais desgraça ainda para os parentes do morto. É desgraça pra tudo que é lado, banda, horizonte, direção! O que resta? Um corpo inerte, que em menos de três dias, diferente dos tantos inúmeros anos, já se torna insuportável, pútrido, fétido. E tão logo é metido num buraco de 1,40 de fundura - os tais sete palmos que nunca dão sete direito ou dão mais, sempre, dependendo apenas das mãos do coveiro e do tanto de cana que bebeu, pois não conheço um sequer que não goste de uma birita braba!

Mas é verdade incontestável: não conheço quem diabo tivesse pedido para nascer, e viver. Aí está a angústia de uns revoltados, que não conseguindo dominar a sede de viver da própria vida, reclamam o direito que têm em razão de terem sido forçados a aceitarem uma vida que nem sequer pediram. Mas creio, é veredicto e não duvido: há quem reclame pelo fato de nem ter nascido. Pobres e inocentes abortados!

Para ser bem honesto e tornar mais respeitável nossa prosa, observemos o progresso da ciência e façamos uma fezinha para lembrarmos que a psicologia, ciência nova que tem pouco mais de século de afirmação, fala sobre o desejo do ser humano de querer nascer, viver e, por que não, morrer? Segundo essa ciência, o ser humano deseja nascer, sim, quando no útero se sente amado, querido e acolhido pelos pais. Mas aqueles que gerados, por sentirem que não são aceitos pelos seus genitores morrem no útero ou nascem com problemas físicos ou psicológicos para se colocarem contra eles. E os bobos que lhes deram vida sem que essas vítimas da vida indesejada pedissem terão que gastar sua própria vida depois lhes dando atenção, carinho, amor e afeto em maior quantidade. Bem, pode até ter sentido esses estudos, mas uma coisa é certa: não conheço quem tenha pedido para ser gerado. Aí a psicologia não me pode ajudar muito.

Ah, vida! Desgraçada! Bandida! Opa, baixaria não! Baixo calão zero aqui, pelo menos aqui, já que no resto da sociedade do mundo, a fineza da educação é algo raro, raríssimo, até! Não consigo entender como seria a dor da perda! Perco a educação e para mim parece algo tão simples, indolor..., não ter essa coisa que chamam educação, que se resume na tragédia irônica de ser apenas um “não ser fino”, que não usa o mecanismo da alta finesse, palavras desgraçadas, sem charme e chatas, isso é o que se chama de mal educado. Baixaria! E, de novo!

E como pedir para nascer? Quem nos dá vida, pensa que a queremos por não nos poder ouvir? E como sabem os que tiram a vida, abortando sonhos, que os neo-desfuturados não queriam viver? Nunca encontrei quem tivesse pedido para viver. Mais sério que isso: nunca encontrei um desses abortados que não tivesse pedido para viver. Quão dura a vida e tudo que nela há. Que mais é a vida do que a fina ironia das interpretações entrelinhas? Diante dessas dúvidas só nos resta blasfemar, xingar os humanos pútridos é fétidos que em nome do prazer abortam a beleza do ser a quem nem se permite ser. Nunca vi quem tivesse pedido para nascer. Pedido para morrer, nunca verei, e as almas caladas sem antes dissessem seus desejos me fazem xingar. E como serão os velórios sem os velhos conhecidos deitados sobre uma mesa e os íntimos comentando as histórias com o falecido, história sempre de glória, embora raríssimas vezes foram de glórias mesmo. Como tiramos cada vez mais essas possibilidades de gargalhadas e cafezinhos nos velórios. Vou sentir falta disso. A criança desfuturada da vizinha não vai me permitir essa chance. Que merda essa vida e tudo que nela há!