terça-feira, 18 de maio de 2010

Sobre a Hidrelétrica de Belo Monte e a Exploração de Vidas









Quando criança, ganhei muitas broncas de meu pai pelo fato de ligar e desligar as lâmpadas de casa por mera diversão. Gostava de ver o acender e o apagar das luzes durante o dia como adorava fitar, encantado, o piscar dos vagalumes, quando faltava energia em minha cidadezinha, à noite! Motivo das broncas? O exorbitante valor da conta de energia! Anos mais tarde, quando adolescente e, depois, jovem, continuei sob as clássicas e duras reprimendas de meu pai, ainda por causa da temida conta! Ora, à noite, ligava as luzes e acorria aos livros, e lá estava eu contribuindo com uns reais a mais no talão de energia! Em razão das insistências de meu pai no uso reduzido daquela lâmpada sobre minha cama, eu tinha dois conflitos constantes: não entendia porque meu pai, ao invés de me incentivar à leitura, me desanimava; naquela altura, mais grave que isso, não compreendia porque com tão poucos eletrodomésticos em casa pagávamos um valor tão alta pelo uso da eletricidade.

Por muitas e muitas vezes me peguei com muita raiva, não de meu pai, porque havia aprendido a me colocar em sua situação, pelos poucos recursos que tínhamos. A raiva mesmo era do exagero na conta de luz. Aí compreendia a necessidade de estudar para poder entender as injustiças e transformá-las em bem. Em minha mente fértil em fantasias, até imaginava que era estratégico o absurdo da conta e fantasiava que o valor da energia das famílias pobres era altíssimo para que os pais cortassem o tempo a mais de estudo dos filhos afim de que eles, pobrezinhos, não estudassem e não pudessem reclamar a exploração. Isso me fazia ficar com mais raiva ainda. Por muitas e muitas vezes deixava de ler porque esses conflitos me tiravam a concentração. Não poucas vezes ficava me imaginando lá no escritório discutindo com o diretor da Celpa (Centrais Elétricas do Pará) por causa da conta: "Seu infeliz! Por causa dessa exploração não posso estudar direito, meus pais tem que trabalhar mais que o normal para manter a conta em dias. Vocês nos roubam!" Era só e tudo o que queria dizer. Na certeza ingênua de que era estratégica a falta de energia me via cada vez mais motivado para estudar e ter como ir colocar “na linha” o diretor da Celpa. Quanto à transformação do cenário, minha mãe nunca incentivava, pois não valia a pena brigar por isso e suportava quieta. Meu pai ensaiava reação, mas não executava.

Cresci na realidade de exploração de um Estado que tem a imensa hidrelétrica de Tucuruí e, ainda assim, cobra caríssimo pelo pouco de energia da qual seu povo faz uso. Em contraposição, empresas mineradoras usufruem da energia a preço baixo ou nulo dessa referida usina que, quando de sua construção, mexeu com as vidas de muitas famílias, mudando suas trajetórias para um futuro infeliz! Nessa realidade, a seguinte afirmação não se trata de senso comum, mas de realidade incontestável: “Ao fim de tudo, quem sempre paga a conta é o povo simples!” Na região onde será construída Belo Monte, não haverá exceção e isso já se observa pela forma como foi induzido (e não conduzido) o processo de aceitação da gigantesca obra! As pessoas que lá vivem já são exploradas há anos. Sendo eu conhecedor desta triste realidade, como me fazer acreditar que o benefício desse empreendimento irá para os pobres, para o progresso dessas pessoas, seu desenvolvimento?

Cabe aqui um breve comentário sobre a situação da precária Transamazônica (trata-se da BR 230, apelidada de “Transamargura” pelos habitantes da região), Rodovia Federal que atravessa o Pará, e que assiste pesarosa ao sofrimento de milhares de pessoas que não podem por ela trafegar com agilidade para salvar a vida de seus entes, para transportar alimentos e abastecer as cidades, enfim, para se integrar à Região Norte e ao Brasil, de acordo com um dos objetivos de sua construção pelos militares que lá despejaram famílias de várias regiões do Brasil, na década de 70, sem nunca prestar-lhes verdadeiro auxílio. Até desconfio que não asfaltaram a “Transamargura” para nos fazer engolir a tal da barragem de Belo Monte, quando, enfim, quisessem construí-la a todo custo. É com muita dor que constato que é isso que está acontecendo: meu povo, toda a vida explorado, está se deixando engabelar pelo projeto da Hidrelétrica, sem questionar os benefícios reais a eles. Até parece que pelo fato de sempre terem sido explorados e nunca terem sido lembrados pelos governos, se satisfazem com as possíveis migalhas que lhe restarão.

Que fique bem claro: não sou contra o progresso. Sou a favor do desenvolvimento! Sou contra o fato de que as pessoas não são beneficiadas de verdade com o desenvolvimento, em razão de projetos mal realizados, que não desenvolvem realidades fazendo-as melhores! Com Belo Monte haverá o “mais do mesmo” de projetos frutos de imposição. Há muita gente que vai morrer, comunidades ribeirinhas e indígenas junto com sua natureza irão desaparecer, histórias não mais serão contadas... Quem está interessado nas histórias das vidas dessa região? Os fins não éticos mais uma vez não justificarão os meios não éticos? Não se trata de um progresso sem ordem esse processo impositivo de construção da barragem? Progresso para quem mesmo? Em menor ou maior grau, há muitas famílias sofrendo com os exorbitantes valores que pagam pelo pouco de eletricidade que usam numa terra que gera muita energia; há famílias perdendo suas terras para conglomerados de plantadores de soja; há famílias que veem os seus morrerem à míngua à margem de uma Rodovia Federal não asfaltada, etc. Há muitas e muitas histórias que não são contadas por quem deseja impor a construção de Belo Monte. É por conhecer e ser parte da história dessa região que não aceito sua construção da maneira como está projetada. A história de vida dos povos do Pará, nas suas mais variadas faces, Belo Monte alguma paga, supre, compensa! Que isso fique claro, sem possibilidade de contestação!
José Heber de Souza Aguiar
(Dedicado a meu tio, Francisco Márcio de Souza)
Estrela-RS, 18 de maio de 2010