quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Uma história de dor

Conheci uma senhora. Sessenta e dois anos. Parecia ter setenta e cinco, pelo rosto, expressão de sofrimento, dor. Parecia ter vinte, pela ingenuidade, imaturidade e, também, dor. Não a dor de uma mulher vivida que tivera um genitor que nunca cuidou dela, abandonando-a com cinco anos. Um genitor covarde que tentara abusá-la sexualmente. Não pelo fato de ter sido adotada por uma família que não podia ter filhos. Não por criar um filho que vive tentando se matar bêbado ao volante, dizendo que não tem mãe. Não por isso. Por isso, não! A dor dessa mulher sofrida é a dor da morte!

A primeira coisa que essa mulher me disse foi que precisava de ajuda para ajudar. Isso mesmo! Ela, que tanto carece de ajuda, não queria ajuda para si. Queria ajuda para o filho. Um pobre filho, falando de condições financeiras. Um rapaz pobre de vinte e cinco anos que não aceita ser pobre. Quer um carro, precisa de um carro, não vai viver sem um carro, mas vai morrer com um carro, concluí hoje... Já se acidentou três vezes embriagado ao volante. Ele só a terá por mãe quando conseguir um carro...

Conheci uma senhora, hoje. Uma senhora triste, como muitas outras senhoras tristes, uma senhora sofredora como muitas outras senhoras sofredoras. Uma senhora com a cara da dor. A dor tem a cara dela.

Seu filho já se empregara duas vezes, contou-me ela, mas pediu demissão para ter dinheiro para comprar o sonhado carro, o carro que bateu e que foi guinchado e está preso até hoje. Foi sempre um funcionário promissor, dedicado, responsável, contou-me também ela, mas seu sonho é seu carro. E só!

Fiz hoje o que não fazia há tempos. Parei uma hora e meia para ouvir as dores de uma pessoa. Nunca me senti tão bem por ouvir essa senhora. Ela falou tanto, tudo, contou o que lhe machucava, suas dores, tristezas, frustrações. E, ao final, levantou-se mais leve, flutuava... Consegui convencê-la a ir a um psicólogo, convenci-a a convencer o filho a também ir a um psicólogo. Ela foi feliz por algum tempo... E o psicólogo que os ajude a se ajudarem... E ai dele se não o fizer!

Quantos anos ainda pode viver uma pessoa de sessenta e dois anos que sofreu toda a vida? Temo a resposta, temo pensar que essa senhora possa sofrer tanto mais que o  já sofrido. Isso corta-me a alma. Sem pai, sem mãe, sem ajuda, quase sem filho... Bom, mas ainda tem Deus. E em Deus ela crê muito, Deus é tudo para ela, é em Deus que ela põe todas as suas forças. Para variar, sempre fica tudo para Deus resolver. Que assim, seja! Mas que Deus não demore mais sessenta e dois anos. Deus, por favor, dê a primeira ficha de atendimento para essa senhora, porque esse caso é para ontem!

José Heber de Souza Aguiar, Estrela, 04/08/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário