domingo, 4 de agosto de 2024

Uma crítica ao utilitarismo ético

“A melhor ação é a que busca a maior felicidade para o maior número de indivíduos”. Essa frase do filósofo escocês, Francis Hutcheson, dá a linha mestra do utilitarismo ético. No entanto, os expoentes do utilitarismo ético são os ingleses Jeremy Bentham e John Stuart Mill, falecidos em 1832 e 1873, respectivamente. Mas afinal, o que é o utilitarismo ético? O que ele visa? Onde percebemos sua aplicação na sociedade? Qual sua implicância para o indivíduo? Buscaremos fazer aqui uma reflexão crítica do utilitarismo ético tendo como base teórica principal o capítulo sete do livro “Ética”, do filósofo da libertação espanhol-mexicano Adolfo Sánchez Vázquez.

O que é o utilitarismo ético? O que ele defende? A sua designação, de princípio, nos remete a algo que é útil. O uso ou a aplicação do que é útil, geralmente é pensado a partir do particular, do indivíduo. Nesse caso, ligamos esse algo útil ao indivíduo, seu desejo, o que para ele é o bom. Precipitamo-nos pensando assim; o utilitarismo é justamente, em primeira instância, a anulação do desejo do sujeito em benefício do interesse do maior número possível de pessoas. O utilitarismo ético é o bom como o útil, onde não é o interesse do indivíduo que é considerado em primeira instância, mas sim o objetivo maior de uma sociedade, do Estado, ainda que os meios para que o maior número seja beneficiado, resulte na anulação, ou até a morte do indivíduo. A felicidade para o maior número possível é o que importa, independentemente dos meios usados para tal objetivo.

O utilitarismo aceita a morte do soldado na guerra em nome do interesse maior do Estado, ainda que essa morte resulte em dor para sua família. A morte do soldado é compreendida pelo utilitarismo ético, de acordo com Sánchez Vázquez (2003, p.169), à medida que contribua para aumentar ou estender a quantidade de bem para o maior número de pessoas. O interesse da família e do soldado está também incluído neste ato, pois são partes da nação beneficiada. Vemos, por esse exemplo, a possibilidade de que algo bom venha a resultar de uma ação que não seja boa para o indivíduo.

De acordo com Sánchez Vázquez (2003, pp. 170-171), há uma dinâmica difícil de solucionar no pensamento utilitarista. Tem-se a afirmação de Francis Hutcheson de que a melhor ação é a que busca a maior felicidade para o maior número de indivíduos. Temos, por outro lado, o pensamento de Stuart Mill, segundo o qual o útil ou o bom é a felicidade, o que produz mais felicidade. Há um impasse claro: optar pela maior felicidade ara um número menor (Mill), ou o que traz menos felicidade para um número maior de pessoas (Hutcheson)? É no meio social que esse impasse gera conflitos.

Numa sociedade dividida em classes sociais com interesses distintos, o maior número, ou o número dos pobres, dos excluídos, dos menos favorecidos, tropeça nos interesses do menor número, aqueles que têm o poder econômico e de decisão das políticas do Estado. Isso acontece se a felicidade, o poder ou a riqueza se identificar com o conteúdo do útil. Veremos daí que “a distribuição destes bens [a felicidade, o poder, a riqueza] que se julgam valiosos não pode estender-se além dos limites impostos pela própria estrutura econômico-social da sociedade” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2003, p.171), que inclui a correlação de classes, organização estatal e relações de propriedade. Por muito tempo as mulheres não tinham direito a voto, e a educação não era paga pelo Estado. A minoria que tinha o poder não desejava que a grande maioria da população obtivesse esses direitos. Foi John Stuart Mill, quem apresentou essa revolucionária idéia baseada nos princípios utilitaristas da felicidade para a maioria (COBRA, 2001).

No utilitarismo ético vimos que o interesse do indivíduo não é o mais relevante, enquanto interesse isolado. O importante nessa forma normativa (segundo COBRA, 2001) de aplicação ética do bom é o interesse do maior número possível, e é aí que entra o interesse do indivíduo que se sacrifica pelo Estado, como no exemplo do soldado que vai à guerra. O utilitarismo é falho à medida que uma minoria tem o controle do poder no Estado. Logo, temos uma minoria que defende apenas seus interesses. Quando isso acontece, o princípio do utilitarismo como forma de expressão do bom, princípio que defende a felicidade para o maior número possível de pessoas, não está sendo respeitado. Torna-se difícil a observância do objetivo do bom como o útil. Para realmente o bom como o útil fruir, os interesses defendidos deveriam ser o da maioria da população, tudo o que lhes pudesse trazer dignidade de vida, condições humanas, enfim, a felicidade. Concluímos que o bom como o útil, como o único meio de trazer a felicidade para a maioria dos cidadãos não passa de utopia.


Porto Alegre - RS , 11/09/2008,





BIBLIOGRAFIA


COBRA, R. Q. Temas da Filosofia: Resumos, in http://www.cobra.pages.nom.br/ft-utilitarismo.html , acesso em 11 de setembro de 2008.

SÁNCHEZ VAZQUEZ, Adolfo. Ética. 24ª ed. Rio de Janeiro, Civilização do Amor, 2003.

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