segunda-feira, 25 de maio de 2009

Semáforos, estações do ano, e confusão na educação.

Em minha última tarde de domingo, caminhando pelas ruas de Porto Alegre, me peguei delirando, posto à beira-rua sob um semáforo, à espera do bendito sinal verde, para que eu pudesse atravessar a rua (não quis correr feito louco driblando o sinal vermelho, embora a chuva fosse iminente); um sopro de tempo, mas suficiente para passarem por minha cabeça alguns fatos cômicos (tornaram-se cômicos por meio da relação tempo e espaço oriunda de minhas reflexões) e que recordei do passado de criança estudante. Mas por que essas lembranças logo diante daquele bicho de três olhos que pisca de vez em quando, e as pessoas obedecem e seguem felizes (ou com raiva, se a piscada tiver sido vermelha)? Bom, tanto esse bicho de três olhos, como as quatro estações do ano estavam relacionados aos maravilhosos conteúdos estudados na terceira série. Vou explicar o triste e o cômico.

Imaginem uma escola localizada numa pequena cidade da Amazônia, onde não havia grande movimento de automóveis no trânsito (não posso dizer o mesmo das bicicletas) - o que já é bem diferente hoje-, ensinando o funcionamento do semáforo. Não que eu não tivesse o direito de aprender, mas, por favor, poderiam ter ensinado algo mais concreto e que eu não pudesse aprender em 1 minuto olhando o movimento do trânsito numa cidade grande. Confesso: o que mais me atraía em aprender “aquilo” era a chance que a professora nos dava para pintarmos os olhos daquele troço esquisito de vermelho, amarelo e verde.

Já que falei na introdução os exemplos de semáforo e as quatro estações, vou respeitar a ordem, depois me dou o direito de dar outros exemplos do trágico-estúpido-cômico. Como disse, esperava o sinal verde enquanto serenava. Aqui em Porto Alegre é primavera. Nesse tempo, faz calor, mas chuvisca. É um período bem agradável. Gente, voltemos à terceira série. Na semana posterior à aula sobre semáforo, aprendi outra grande maravilha: as quatro estações. São João Batista de La Salle interceda aí, dê uma mãozinha, dê um jeito pra ver se esse negócio muda. Onde já se viu uma escola na Amazônia ensinar as quatro estações sendo que só conhecemos inverno e verão?!

Talvez pior do que aprender sobre o funcionamento do semáforo e das quatro estações, tenha sido aprender, na primeira série, o alfabeto, usando palavras que eu não conhecia a referência concreta para observá-las. Exemplo de algumas palavras que estudei: uva e leão. Uva era referência para a vogal U; leão, referência para a consoante L. Lembrar uva fazia lembrar a vogal U, e lembrar do leão feroz recordava a consoante L. Meu Deus, tenha piedade! Santo padroeiro dos professores, interceda! Nunca vi uva plantada na Amazônia e muito menos comentários de que alguém fora atacado por um leão em nossas densas matas. Temo que alguém acredite que exista uva e leão lá (a menos que seja o animal no zoológico, e a uva como fruto de experiência em viveiros de laboratórios).

Chegam a ser cômicos esses relatos, mas antes de cômicos eles são tristes. Alguém pode comentar: “bem, mas isso aconteceu há 13 anos. Hoje é diferente”. Gostaria de crer que hoje é diferente, mas não é bem assim. Creio que a educação no Brasil conta com um grande avanço, mas, ao mesmo tempo, permanece em enorme atraso. Explico-me: em determinados lugares “o conteúdo a ser abordado” é feito de modo bem novo e seguindo princípios de inclusão da realidade dos educandos, levando em conta sua história, sua cultura. Mas ao mesmo tempo, no mesmo país, estado e, arrisco dizer, até mesmo em uma mesma cidade, é possível encontrarmos realidades educacionais bem diferentes: a arcaica educação a partir de elementos distantes da realidade do educando, e a revolucionária aprendizagem por meio da familiaridade do educando com o “objeto” de estudo.

Revolução na educação frente a metodologias arcaicas: princípios renovadores na aprendizagem frente à velha “decoreba” - uma espécie de dilema frente à dificuldade em encontrar uma linha educacional que realmente seja capaz de fazer um país de pessoas educadas no sentido da capacidade de leitura da vida, e de perceber as ideologias acopladas nos aparelhos ideológicos - só podem revelar uma certa confusão, no fim das contas. Precisamos urgentemente - antes de ensinar equações, regras da língua portuguesa, ou alfabetizar a partir de elementos que distam da realidade do educando -, de uma educação que forme para a vida, e não somente para passar no vestibular. Caso continuemos caminhando nessa, creio eu, confusão geral, nossos educandos permanecerão estacionados frente ao sinal vermelho, esperando o sinal verde da educação para a liberdade, que nunca virá.

Porto Alegre - RS, 2007.

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