segunda-feira, 25 de maio de 2009

A uma consciência sem consciência

"A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência" (Fernando Pessoa, in: Livro do desassossego,2006, p.99).

Queria poder começar chamando-a de querida, mas não sei se você é mesmo querida. Se é, quando é, a amo, mas são poucas as vezes que a amo: a odeio quase sempre.
Que digam o que quiserem os que esta lerem. Pode parecer ridículo proferir-lhe essas declarações, afinal, onde já se viu alguém escrever carta para sua própria consciência? Ah, sim! Mas você não é qualquer consciência: é a minha tão cara consciência!

Você é a maior e a pior perseguição possível de se encontrar. Comigo não foi diferente. Quero me livrar de você, mas como isso é possível? Morrendo? Morrer não quero, embora tenha vivido todos esses anos, e a única certeza que tenho é a de minha morte. A maior pergunta nessa certeza é se quando de minha morte vou continuar com você falando-me aos ouvidos “faça isto, faça aquilo”. Será você uma consciência eterna? Deus queira que não seja eterna e que nossa relação acabe-se aqui mesmo. Basta nossa parceria nessa vida.

Quando nasci meu primeiro choro foi culpa sua. Foi então que percebi que já não estava naquele lugar tão confortável e agradável. Tive consciência de que estava em outro mundo. Era essa a primeira liçãozinha dos milhares que me daria depois, e das quais agradeço poucas. Desculpe-me por demonstrar tanto ódio e pouco amor ao seu auxílio nesses tantos anos. É que na verdade tenho tido a impressão de que minha vida seria melhor sem seus palpites. Não me refiro àqueles momentos que você me tirou das maiores dificuldades; sem sua ajuda eu estaria numa situação mais complicada hoje fazendo, vai saber o quê e onde, mas com certeza não estaria gozando a vida como a gozo.

Ah, seus conselhos! Segui-os tão à risca e hoje percebo que poderia ter feito diferente. Não ouvi minha opinião nunca. Sempre fora sua opinião. E sempre que não queria sua opinião nem a minha, e me dirigia a outra pessoa em busca de outra opinião, a última coisa que ouvia depois dos conselhos era: “siga o que sua consciência mandar”. Veja bem, sua ingrata! Foi isso que fiz. Você enfeitiçou todo mundo para que sempre mandassem eu ouvi-la? Por que fez isso? Como fez isso?
Você sempre se saiu como a certinha da história. É impossível encontrar algum erro de sua parte. Já eu, nunca tive mérito em meus atos. Todos os méritos sempre são dirigidos a você, pois sempre dizem que eu agi com consciência. Se sigo seus conselhos e o resultado final não é dos melhores, logo me dizem que agi sem consciência: você nunca tem culpa de nada, por isso chega de ser bonzinho e levar toda a culpa.

De uma coisa tenho certeza: Você é a consciência mais sem consciência que é possível existir. Como pode uma consciência ingrata como você não ter consciência de que me perturba e me deixa com a consciência tão pesada diante de suas perturbações?

Quero lhe pedir que acabemos nossos laços e que procuremos um jeito de fazer isso de modo que nos separemos o mais rápido possível. Quero viver somente com minhas opiniões. Preciso de liberdade para decidir por onde caminhar e o que seguir sem ter de contar com seu auxílio. Não preciso de consciência nenhuma que me dê ordens, dizer o que devo e o que não devo fazer. Quero viver sem consciência de que vivo, talvez assim sofra menos, porque essa consciência é dura.

Espero que essa carta faça você refletir sobre todos esses pontos e perceba o que está fazendo comigo. Não me arrependo do que lhe relato aqui nem nunca me arrependerei. Mas quero que você, ao ler minha angústia, se doa. Que doa sua consciência, consciência! Quero que se arda, se queime. Você não conseguirá fazer com que eu reveja minhas decisões como fez com Raskólhnikov de Dostoievski. Serei mais firme que ele. Portanto, deixe-me em paz e não mais me siga.

Fique bem... Longe de mim.

Do seu desgosto eterno:

JHSA

***
11/09/2008 – Porto Alegre- RS
Crônica solicitada para fazer parte de um livro, mas não foi enviada.

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